domingo, 28 de março de 2010

Esperança - de Marcelino Lima - luanda/Angola

Amor, tanto te escrevi, minha mochila não tem mais nada. Só peso.
O peso dos pensamentos de não te ter a ti...
Aos miúdos...
A Ritinha...
Verdade verdadeira, nua e crua.
Saber reconhecer o fim da história para que dela brotem novas vagens de milho.
Comeremos na próxima colheita?
Hoje sei que comemos, hoje sei que comi.
E a esperança, o choro de uma criança.
Ritinha...
Um beijo.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Os três porquinhos e o seu capital

Era uma vez três porquinhos, o palhotas, o madeira e o tijolo, como viviam os três ao relento e não sabiam muito bem como respirar o oxigénio directamente do vento, decidem começar a construir algo edificável que pudesse servir como um filtro ao mundo exterior. Um abrigo onde talvez pendurar um espelho ou até ter alguma privacidade.
Mas como não tinham mais nada para fazer, e ainda não tinha nascido o Karl Marx, vai de cada um construir a sua própria casa em vez da casa conjunta ou comunitária.
Um constrói uma casita de palha, o segundo não está pelos ajustes e lá deita abaixo umas árvores e constrói uma casa de madeira, sem pregos entra tudo por encaixe, e o terceiro porquito com uma pequena ajuda dos materiais de construção, muito em voga nas pocilgas, decide construir uma mansão de 90 quartos, 25 casas de banho, 500 salas e uns milhares de anexos no quintal.
Passado algum tempo de estarem instalados nos seus aposentos aparece-lhes um lobo à porta que para azar deles não era vegetariano, vai daí, toca de incomodar os arredondados porquinhos. Como o lobo até tinha bons pulmões, vai de começar a soprar contra a palhota do primeiro porquinho, que vai ser papado assim que a palha voar para longe, ou para perto, pouco importa, terminada a primeira deglutição, reage da mesma maneira contra a casita do porquinho amadeirado, um sopro e já está - ora bem então só falta mais um porquinho, e a malta despacha a história num ápice. Mas o pobre do lobo sopra uma, sopra duas, sopra três e nada, o raio da casa tem tijolo por todo o lado e assim não vai abaixo, até que o lobo desiste, e de tristeza, banhada em transparente frustração, morre pouco tempo depois de um destino irremediável.

Moral da história para porquinhos: se vives ao lado de lobos, constrói uma casa de pedra se os queres ver partir, ou de palha se os queres alimentar.
Moral da história para humanos: se queres comer um porquinho apanha-o antes de ter tempo para construir uma fortaleza e anexos, se não habitua-te à fome.
Moral da história para vegetarianos: não há nada como uma saladinha para evitar estas complicadas ementas.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Um texto para nunca esquecer

----Artigos da declaração de Independência Americana----

Sempre que qualquer forma de governo se apresente destruidora da vida, da liberdade e da busca da felicidade, o povo tem o direito de a alterar ou de a abolir e de instituir um novo governo, baseando-o em princípios e organizando os seus poderes da forma que lhe parecer mais apta para tornar efectiva a sua segurança e a sua felicidade...

...quando uma longa série de abusos e de usurpações, tendo por alvo invariàvelmente o mesmo objecto, evidencia um plano para submeter o povo a um despotismo absoluto, é direito e dever deste derrubar tal governo e escolher novos guardiões para a sua futura segurança.
Levanta-se do chão quem sente
Apoia-se na árvore quem raciocina
Caminham os que buscam razão no sentir
Descansam os que nada sentem com razão

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Ter tempo

Respira o som ondulante carregado nas ondas do mar,
desliza suavemente a mão pelo revolta da água.
Sente o frio nos pés, o sentir enouriça o gesto.
Mantém-se ainda assim quieto, compreende que permanecer é amar,
só partir inunda o areal da mágoa, dá-lhe forma – só existindo se pode minguar.

Vem o vento ao encontro do corpo testo,
encontra-o no horizonte da vida.
Carne mirando a luz perdida, como se do tempo fosse testamenteiro.
Repara em nada pois nada existe merecedor de reparo - o nada é um reparo.

Dança o Espaço a sua piloura.
Serve-se da melancolia para o quodore:
- Entrego-te o sopro nas mãos, deixo-te o sal na pele. Quando um dia me quiseres atira o sopro ao ar e larga o sal no mar. Avisando-me, entrego-te o tempo e o céu, derreto para ti a porta do quintal onde sem ti tudo nasce mas não nasce o que queres...
- Como ter, saber ou poder? Se me arruíno no horizonte de ilimitados caminhos, reflexo de tantos mares perdidos em mansos oceanos, determinados no sustento da vida que deles brota não prestando atenção aos pés molhados.

- Olhar para baixo é já de si a procura de um caminho. Se esse não te agrada levanta a cabeça!

Ficou o tempo e o espaço na companhia do mar, o vento sopra o sal no torso das ondas. O areal não rejeita a doce carícia do turbilhão, rola e enrola.
O destino também se molha como uma folha de papel.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Quanto mais perto mais longe

Pois e tal é o amor
é ser único e concentrado
existe para ser parcelado?
É indivisível, não divisível pois se aproxima também afasta
Se está perto do humano ou da coisa como se comportará?
Terá espaço para as coisas ou os humanos?
É o balão da coisa única, foi cheio com quê?
Quando rebenta é de todos, egoísta quando preso no cordel.

sábado, 21 de julho de 2007

À de aguado como o vento em mar salgado
As nuvens se as há são duras como os dentes de quem os tem
Como somar sem haver desgosto a soprar
Então não somos todos moles como a carne transportada
Pedi um piano, o número de pernas não interessa
Se tocar só as teclas me adormecem
Quando despertar já as andorinhas deixaram os fios
Baloiçam, mesmo assim as conversas flúem
Viver, padeço desse mal adocicado
Umas vezes é a vida de alguém, outras desconheço
Mas é preciso, talvez, quem sabe – desconheço
Bendita a água, a dos rios, com as lágrimas salgadas não deixam de ser doces
Também elas seguem o sal do vento em mar salgado.
No caminho encontram pedras ou por vezes entre as pedras encontram caminho
Continua o sol secando quem se atreve, enfrentando-o
Desfez a vez ao deixar passar
Quando há educação não perder é vinculo não posição
Correi então ao mar deixai para trás quem padece e vos liberta, se é na dor que voa a liberdade soltai-vos pois e gritai a dor que aprisiona de mão aberta.